Jornal Económico: Quais foram, os principais desafios que as empresas enfrentaram neste período de pandemia? E, acrescento ainda, estavam preparadas para os enfrentar?
Nelson Pereira: Eu separaria em dois grandes grupos o tipo de empresas que vou relatar. Uma empresa que estava já no mundo digital teve uma determinada orientação e determinada preocupação. Outras que não estavam tão orientadas para o mundo digital certamente olharam, numa primeira vaga, para a sua resiliência, ou seja, a continuação do seu negócio e daquilo tudo que poderiam proteger. Nesse cenário, a cibersegurança tornou-se, de facto, uma maior preocupação. As empresas que já estavam preparadas tiveram que se reforçar, enquanto as que não estavam tiveram de acelerar a sua mudança para o mundo digital e atuar de uma forma muito mais abrupta do que seria conveniente para todas elas.
O que vimos numa segunda fase, foi todas elas a terem um planeamento no que toca à transformação digital. Sem mencionar nomes, temos um grande cliente internacional no setor do retalho de moda, que tinha como lema, até há bem pouco, que não era no digital que queria vingar, neste momento teve de se converter. Mas em vez de ter um plano a três anos, tem um plano a seis meses e vai ter de o executar; é obrigatório e já nem há questão. Portanto, se até esses grandes clientes tiveram de repensar, podemos imaginar todos os restantes… Isto é o que assistido no mercado.
Também é importante referir a preocupação de como poderão os nossos recursos humanos orquestrar tudo isto. Porque houve uma enorme incerteza, principalmente durante o primeiro mês. Poucas empresas teriam um plano processual minucioso, como temos para muitas outras coisas, para enfrentar um cenário pandémico. Portanto, essa foi a maior preocupação, como dar continuidade ao trabalho humano, como manter as relações, etc. E eu penso que aí, independentemente do core da empresa, a tecnologia teve muito a dizer. Hoje estamos aqui nesta conversa por via remota, que já se tornou uma normalidade, mas no passado, não seria. Se alguém não pudesse estar presente nesta conversa presencialmente, teríamos de mudar o horário, nunca caberia na cabeça fazer por teams, ou zoom, ou outra ferramenta. Essa foi mesmo a maior revolução que sentimos e que, felizmente, como em todos os acontecimentos na história da humanidade em que aconteceu algo desta dimensão, adaptámo-nos muito rapidamente. Penso que todas as empresas ficaram surpreendidas pela positiva pela rapidez com que nos adaptámos.
Quanto à Noesis, nós já temos uma grande pegada fora de Portugal, temos mercados desde Brasil, EUA, Irlanda, etc. em vários fusos horários, com todas as suas restrições, complicações e vicissitudes. Nessas regiões, já não sentimos assim tanto impacto porque já estávamos a trabalhar de forma remota.
JE: Notaram a diferença entre os diferentes mercados?
NP: Notámos claramente. Por exemplo, nos EUA o que se nota é que praticamente não se percebeu que estávamos numa pandemia, porque já estão há muitos anos habituados a trabalhar de forma remota com outros países, portanto nota-se que os seus processos já estão adaptados a essa realidade.
Já no Brasil, por exemplo, não. No Brasil, tivemos complicações muito diretas porque a presença física das pessoas, tal como em Portugal, acaba por ser quase mandatória. Aí notámos complicações operacionais, que rapidamente se compuseram, mas sem dúvida que notámos os vários mercados a comportarem-se de maneira diferente. Por exemplo, e curiosamente numa Europa que, dizemos todos, está bastante avançada (e esperemos que esteja) mas até na Holanda houve algumas complicações. Os EUA continuam a ter uma visão mais a longo prazo do que a Europa, o que nos leva a toda esta transformação que certamente acelerou.
JE: Na sua intervenção no “Quem é quem nas TIC” aponta que o processo de aceleração que temos vivido vai manter-se, o que obriga a transformações. Quais são as principais tendências que vê em desenvolvimento e que obrigarão as empresas a transformar-se?
NP: Da nossa experiência, muitos estão a apostar essencialmente na customer experience, que não era claramente uma prioridade antes. A digitalização do próprio negócio era encarada quase como passar o mesmo processo do físico para o digital, para o seu website e pouco mais. Hoje em dia, há um plano paralelo, completamente focado no que se quer colocar disponível no digital, sendo que o cliente do mundo digital pode ou não ser a mesma pessoa que vai depois utilizar o mundo físico. O que nós notamos é uma rápida aceleração para esse mundo, com todos os requisitos necessários, seja a escolha de uma plataforma, seja o desenvolvimento à medida. No desenvolvimento à medida continuamos a assistir à utilização de plataformas low-code, com o intuito do seu desenvolvimento se aproximar muito ao negócio da empresa, enquanto “antigamente” o conceito era o do IT ser independente do negócio. O negócio pedia coisas ao IT e este normalmente dava más notícias ao negócio. Hoje, a distinção entre IT e negócio está cada vez mais ténue, mas para que isso aconteça são necessárias plataformas de low-code para tentar responder àquilo que o negócio quer, de uma forma mais rápida, fazendo com que a tecnologia se adapte às vontades do negócio.
Não quer dizer que isso não traga problemas. A médio e longo prazo, poderia ser benéfico ter ciclos um pouco mais longos, mas entende-se que o negócio, muitas vezes, não pode esperar. Portanto, no fundo há dois caminhos. Um em que a entrega é mais rápida, como é o exemplo do Robotic Process Automation, cada vez mais usado na criação de robots para colmatar problemas de ligação entre vários sistemas que uma empresa pode ter e que não se ligam facilmente. Normalmente seria necessário, diga-se, um ano para resolver esse problema e com RPA resolve-se num mês. Todos sabemos que, no fundo, não se resolve o tema de base, mas resolve o tema do negócio e enquanto o IT prepara todas as outras estruturas para a escolha de uma solução integrada, vai-se resolvendo toda a problemática do cliente.
O que eu vejo como um dos maiores desafios, é o facto de ser cada vez mais verdade o “fail fast”. Mais vale fazer, e se falhar arranjar outra solução, mas implementar algo. E depois em paralelo ter soluções de longo prazo para que cada cliente tenha a sua resiliência no futuro.
JE: E as oportunidades que se colocarão no futuro próximo serão ainda no processo de transformação digital das empresas?
NP: Sem dúvida. E essa transformação digital terá de passar da dialética à prática porque nós já assistimos a muitos movimentos desses, como por exemplo o caso da cloud. Há uns 10 anos, toda a gente falava em cloud, mas muitos dos interlocutores só o faziam porque estava na moda e tinha que se falar disso. Hoje em dia, já é uma utility e é quase transparente. O melhor da tecnologia é quando passa a ser quase transparente e funciona. Neste momento, as empresas já se habituaram e já usam todo o potencial da cloud.
Agora, a transformação digital já não é, nem pode ser, uma “buzzword”. Já não se trata de passar para o mundo digital, mas sim tentar perceber como é que o negócio pode ganhar com o mundo digital. Muitas das empresas equacionam a sua presença física, mas também há outras que equacionam de facto os dois mundos, ou seja, ter um plano racional para aquilo que é a continuidade e outro plano distinto para o mundo digital. Essa transformação é inevitável. Vemos o surgimento de departamentos de transformação digital independentes do departamento de IT nas empresas, coisa que há uns anos seria impensável, e funcionam de uma forma muito mais acelerada e muito mais ligada ao negócio, onde se fala em gestão de produto e não em gestão de projetos. Isto parece uma pequena diferença, mas é uma diferença gigantesca. Essa é a maior transformação a que temos vindo a assistir e também aquela a que tentamos ajudar, na medida do possível.
JE: Quais são as suas perspetivas para o futuro?
NP: Na Noesis, prevemos, à imagem de 2021, crescimentos de duplo dígito, até finais de 2023. O nosso posicionamento será o de continuar a crescer bastante em Portugal, mas também nas várias regiões onde estamos. Eu diria que o grande desafio que vamos ter que ultrapassar é a falta de talento humano. A tecnologia aparecerá e nós estamos cá para fazer acontecer, mas o talento humano pode começar a escassear (já escasseia em algumas regiões). Portugal ainda pode ter o seu “ramp up”, mas isso dependerá do posicionamento do País, a nível estratégico e a nível mundial.
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